domingo, 30 de setembro de 2012

"Eu vi morrer o Sargento Wolff"


O relato de Joel Silveira sobre a morte de um dos maiores heróis da FEB, o Sargento Max Wolff Filho, em missão de patrulha na Itália.


Vi perfeitamente quando a rajada de metralhadora rasgou o peito do Sargento Max Wolff Filho. Instintivamente ele juntou as mãos sobre o ventre e caiu de bruços. Não se mexeu mais. O Tenente Otávio Costa, que estava ao meu lado no Posto de Observação, apertou os dentes com força, mas não disse uma palavra. Quando lhe perguntei se o homem que havia tombado era o Sargento Wolff, ele balançou afirmativamente com a cabeça.

Menos de uma hora antes eu estivera conversando com o sargento. Creio que foi a mim que ele fez suas últimas confidências. Falou-me de sua filha, uma menina de dez anos de idade, que ficou no Brasil. Disse-me que era viúvo e deu-me notícias de que sua promoção a segundo-tenente, por ato de bravura, não tardaria a chegar. E como eu estava recolhendo mensagens entre os homens de seu Pelotão de Choque, já formados para a patrulha de minutos depois, o Sargento Max Wolff pediu-me que também enviasse uma sua. Estão comigo as poucas linhas que sua letra delicada e certa escreveu no meu caderno de notas: “Aos parentes e amigos: Estou bem. À minha querida filhinha: Papai vai bem e voltará breve”.


Tenho ainda nos ouvidos, muito vivas, as últimas palavras que escutei do sargento. Um dos soldados lhe pedira uma faca, e ele respondeu, sorrindo:

- Voi non bisogna faca. Tedesco não é frango.

O sargento saiu com seus homens pelas sebes e ravinas da direita, e nós seguimos para as montanhas do norte, defronte ao ponto que a patrulha deveria atingir. Vimos quando os homens apontaram na terra de ninguém e seguiram cautelosos pela estrada deserta. O sargento havia transformado seus pentes de munição num colar que o sol incendiava. Levava o capacete de aço debaixo do braço e a pequena Thompson apontada para a frente. Nossa artilharia, à esquerda, cessara de atirar, e agora era um silêncio total. O Tenente Otávio Costa me disse:

- Não é possível que os alemães estejam ali.

Patrulha brasileira  
O primeiro objetivo da patrulha eram as três casas, a menos de um quilômetro de nós e que os homens do Sargento Wolff atingiram às duas horas da tarde. O grupo cercou os três edifícios arruinados, e o sargento empurrou com o pé a porta de uma delas. Vimos quando ele entrou e fez um sinal para seus homens: novamente as duas fileiras espaçadas voltaram a caminhar pelos campos proibidos. Fazia um sol muito claro e alguma coisa – uma vidraça partida ou um esqueleto de munição – cintilava forte nas ruínas de Montese.

As duas e meia da tarde, a patrulha estava a menos de 100 metros do último objetivo a ser atingido: um novo grupo de casas sobre uma lombada macia. O Sargento Wolff deu seus últimos passos à frente. Então uma gargalhada curta e nervosa encheu o silêncio do vale e o Sargento Wolff caiu de bruços sobre a grama. Os outros homens se agacharam, rápidos, e os alemães começaram a atirar, bloqueando nossos homens com uma chuva de granadas de mão e rajadas de metralhadoras. Sacudiram depois para o ar foguetes iluminativos, pedindo fogo de suas baterias, e minutos depois os projéteis da artilharia nazista assobiavam sobre nós e iam explodir no caminho percorrido pela patrulha.

O Tenente Otávio Costa indicou posições aos nossos morteiros, e durante mais de uma hora o duelo continuou, um diálogo de fogo. Nossos morteiros rebentavam dois quilômetros além, onde possivelmente estariam localizadas as baterias nazistas, e os obuses alemães rebentavam perto, no chão onde nossos homens continuavam agachados ou nas fraldas do morro onde estávamos com o Posto de Observação. De vez em quando uma rajada de metralhadora cortava o ar, como um vento mau, e ia inquietar os galhos das árvores próximas. Foi um desses leques que raspou nossas cabeças e nos jogou para dentro de um buraco, onde ficamos perto de uma hora. Levantávamos de vez em quando até o parapeito da trincheira, mas os morteiros só davam folga de segundos: escutávamos seu assovio na distância, e voltávamos a nos espremer nos foxholes antes que a exclusão tremesse a terra.

Quando a noite caiu, conseguimos, rastejando, deixar as posições batidas e alcançar as trincheiras da retaguarda. Chegamos ao P.C. do Batalhão perto das dezenove horas. Minutos depois voltavam também os homens da patrulha do Sargento Max Wolff Filho. Mas ele ficara lá. Quando nossos padioleiros foram até a terra de ninguém, recolher os corpos e os feridos, os nazistas os receberam com rajadas impiedosas.

Muitos dos homens que voltaram tinham os olhos rasos d’água. Um deles era o Segundo-Sargento Nilton José Facion, de São João del-Rei, em Minas Gerais, que me contou essa história:

- Eu estava a uns trinta metros de Wolff quando ele foi atingido. O soldado Alfredo Estevão da Silva, que ia na frente, virou-se para mim e disse: “Parece que Wolff está morto. Vou puxar o corpo para cá” .Respondi que ia atrás dele. Mas uma rajada matou também o pracinha Estevão antes que ele pudesse fazer qualquer coisa. Chegou a minha vez e consegui arrastar o corpo do sargento até uns trinta metros. Depois veio a chuva de morteiros, e não pude fazer mais nada.

O Sargento Alfeu de Paula Oliveira (ele também enxugava os olhos úmidos com a manga da blusa) me levou depois ao estreito compartimento onde Wolff tinha suas coisas: ali estava a condecoração que o General Truscott colocara no seu peito, poucos dias antes, a citação elogiosa do General Mascarenhas; o retrato da filhinha, de olhos vivos e brilhantes como os do seu pai. Tudo agora muito desgarrado. “Este foi um dia triste para nosso Batalhão”, me disse o Major Manuel Rodrigues Carvalho Lisboa. “Nós perdemos um bravo”.

FONTE:
O Brasil na 2ª Guerra Mundial - Edições de Ouro
Correspondente de Guerra - Joel Silveira.

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