sábado, 14 de abril de 2018

Beato Pier Giorgio Frassati: Uma alma feita para os mais altos píncaros


A alma pura e idealista de Pier Giorgio nunca se rebaixou aos vales da mediocridade ou aos abismos do pecado. Com sua morte prematura se tornou um estandarte vivo da juventude cristã.
“Ave Maria, piena di grazia, il Signore è con te, Tu sei benedetta fra le donne…”
Com o rosário na mão direita e os bastões de esqui na esquerda, ele contemplava o panorama coberto pela neve. O vento soprava generoso ali no topo, a mais de 2000 m de
altitude, misturando-se com as vozes de seus Beato Pier Giorgio Frassati.jpgcompanheiros, os quais, reunidos a seu lado, respondiam às Ave-Marias. Pouco a pouco, outros excursionistas, a cujos ouvidos chegava o som daquela prece sincera, uniam suas vozes ao fervoroso coro.
Rosário rezado nas alturas! Nada causava tanto júbilo ao coração idealista e mariano de Pier Giorgio Frassati, o robusto estudante de engenharia que entoava a oração. No vigor de seus 22 anos de idade, ele se destacava entre os colegas: era o mais arrojado, o mais alegre e disposto a sacrificar-se pelos demais. Assim como obstáculo algum da natureza o intimidava e nenhuma contrariedade abatia seu ânimo, nunca se lhe apresentava em vão uma ocasião de fazer o bem ao próximo. E, para ele, isto significava dar bom exemplo, incentivar às práticas religiosas e criar as condições para a virtude triunfar sobre o vício nas almas de seus amigos.

Desejo de escalar os cimos
Era o que fazia Pier Giorgio naquela manhã de fevereiro, um feriado do carnaval de 1923, no cume do Pequeno São Bernardo. Fora ele quem promovera aquele passeio às montanhas, visando proteger os companheiros dos perigos do ócio e da cidade, e agora os levava a recitar o Rosário, ciente de que só são verdadeiros heróis os homens de grande fé.
Terminada a oração, iniciou-se a ruidosa descida: ajustados os esquis, os jovens deslizavam céleres pela ladeira branca e gelada, em meio a gritos e risos animados. Embora participasse do contentamento geral e gostasse de enfrentar com galhardia as situações de risco que o esqui costuma oferecer, Pier Giorgio teria preferido ficar lá em cima: “Cada vez mais forte me é a vontade de escalar os cimos, de atingir os mais altos píncaros e sentir a pureza desta alegria que a montanha nos dá”,escreveu certa feita a um amigo. E a outro: “Quisera, não fossem os meus estudos, passar dias inteiros na serra, para contemplar, nessa atmosfera pura, as grandes obras do Criador”.
Quem desejasse um ponto de partida para analisar com acerto a trajetória deste jovem Beato, poderia sem dúvida valer-se de iguais palavras. Sim, pois sua alma ansiava pelos mais altos píncaros e encontrou sua alegria na sublime “montanha que Deus escolheu para morar” (Sl 67, 17), isto é, a Santa Igreja.
“Verso l’alto – Às alturas!” é a fórmula lapidar que ele registrou numa fotografia tirada durante a ascensão ao Pico Lunella, em de junho de 1925, menos de um mês antes de partir rumo à Pátria Celeste. E é esta a principal lição oferecida por sua breve existência à juventude hodierna: para alcançar a felicidade são necessárias a coragem e a perseverança, a fim de estar a todo momento subindo o pico da perfeição, com a mente e o coração elevados às alturas da Fé!

Família abastada, mas carente de fé
Os sinos da Catedral de Turim repicavam ao Glória da Ressurreição quando nasceu Pier Giorgio Frassati, a 6 de abril de 1901, Sábado de Aleluia. Para seus familiares, nada significava a coincidência de datas: naquele lar abastado, brilhante nas altas esferas sociais, a Religião se reduzia a meras exterioridades.
O pai, Alfredo Frassati, proprietário do jornal La Stampa, exerceria mais tarde cargos de grande projeção política, assumindo uma cadeira no Senado, em 1913, e em 1920, a Embaixada italiana em Berlim. Esperava ver o filho seguir-lhe os passos e não escondeu sua desaprovação quando percebeu que ele se tornava mais e mais piedoso e ativo nos meios católicos, não nutria a mínima apetência por adquirir fama e fortuna, nem se interessava pelos assuntos de sua profissão. Quis, então, a todo custo dissuadi-lo daquelas vias e chegou a escrever-lhe o seguinte bilhete: “Agindo sempre irrefletidamente nas coisas que para ti deveriam ser importantíssimas (como, no caso concreto, era não esquecer o livro que te deveria servir para a próxima prova), vais-te tornar um homem inútil para os outros e para ti mesmo”.
Quanta razão tinha a humilde serviçal do escritório paterno quando, ao ouvir o patrão deblaterar contra a religiosidade do filho e acusá-lo de desdourar-lhe a fama nos círculos mundanos, exclamou:
– Senhor, ainda vereis que ele terá mais fama do que vós!
Adelaide Ametis, a mãe, possuía uma ideia bastante distorcida do Catolicismo, considerando-o como um conjunto de regras cujo cumprimento era suficiente para salvar-se. Apesar de haver ensinado Pier Giorgio e sua irmã a se comportarem na igreja e a serem exímios observantes dos dias de preceito, não se pode dizer que fez o mesmo quanto à devoção a Jesus e a Maria.
Tal carência não impediu, porém, que o gosto pela oração despontasse no menino desde tenra idade. Certo dia, por exemplo, ele a deixou surpresa ao colher uma rosa do jardim e entregá-la a uma irmã leiga que se dirigia a uma capela, pedindo-lhe para levá-la a Jesus, de sua parte. Em outra ocasião, quando assistia à Missa junto a algumas crianças, uma menina lhe fez uma pergunta inconveniente. Com fisionomia séria ele a repreendeu, declarando que nunca mais iria à igreja em sua companhia, pois não queria ter importunadores a seu lado ao conversar com Jesus.
Um caráter de granito
O pendor natural à piedade, aliado à pertinácia de bom piemontês, fez desabrochar de modo admirável a fé de Pier Giorgio ao entrar na fase das primeiras grandes lutas da vida: a adolescência. Ciente de sua fraqueza, mas decidido a não ceder às solicitações do pecado, apegou-se ao único instrumento capaz de lhe obter a vitória: a oração. Seguro de que só teria forças para perseverar na Fé se rezasse muito e pudesse contar com as orações de outras pessoas, escreveu a um colega: “Rogo-te que rezes um pouco por mim, para que Deus me dê uma vontade férrea que não se dobre e não frustre seus projetos”.5
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O pai era proprietário do jornal
“La Stampa” e exerceu cargos de
grande projeção política

Aos 12 anos, com seu pai, Alfredo
Aliás, era esta a nota saliente de seu modo de ser. Um de seus confessores chegou a defini-lo como “caráter de granito”,6 recordando que suas resoluções de retiro poderiam resumir-se nas palavras “fortaleza de alma na luta contra si e contra o mundo”.7 E ele realizou eximiamente tais propósitos, dando mostras de um viril e sereno domínio do espírito sobre os sentimentos, nas mais diversas situações.
Uma vez, quando saía da igreja com o terço na mão, um de seus conhecidos, com intenção de ridicularizá-lo, gritou de forma a ser ouvido pelos transeuntes:
– Ei, Pier Giorgio, você ficou carola?
– Não. Apenas continuo a ser cristão – respondeu tranquilamente.
Em outra circunstância, tomou a ousada iniciativa de rasgar alguns cartazes que desabonavam o diretor da universidade em que estudava, os quais haviam sido colados no mural do egrégio estabelecimento de ensino por estudantes rebeldes. Estes logo o cercaram, ameaçando-o de represálias e intimando-o a reparar aquela pretensa injúria à liberdade de pensamento. Imperturbável, replicou-lhes Pier Giorgio que o erro e a calúnia não têm direito a liberdade alguma, e estava disposto a destruir todos os cartazes semelhantes que encontrasse. A força de sua convicção teve efeito imediato: os revoltosos se calaram e foram embora.

Intensa atividade nos meios católicos
Com tal têmpera de alma, decerto nosso Beato seria mártir se vivesse em tempo de perseguição sangrenta, pois, além de ­intensamente ativo nos meios católicos, ele desconhecia o defeito que faz minguar tantas boas obras e tolhe as almas fracas: o respeito humano. Os que tiveram a ventura de acompanhá-lo nas excursões às montanhas ou mesmo no dia a dia dos estudos e das atividades apostólicas, testemunharam a integridade de sua admirável compostura, piedade vivíssima e devoção filial, manifestadas em todos os lugares, com límpida coerência.
A partir dos 12 anos, inscreveu-se em várias associações religiosas, dentre as quais o Apostolado da Oração, a Companhia do Santíssimo Sacramento, a Liga Eucarística, a Congregação Mariana e as Conferências de São Vicente de Paulo. Ademais, como membro da Associação de Jovens Adoradores Noturnos, da Igreja de Santa Maria di Piazza, em Turim, edificou muitos religiosos e sacerdotes que diversas vezes o viram chegar por volta da meia-noite, ajoelhar-se diante do ostensório e permanecer nesta posição até as quatro horas da manhã, em profundo recolhimento. Coube-lhe também o mérito de ter fundado um círculo de juventude católica, ao qual denominou Milites Mariæ, e foi admitido como terciário dominicano, em maio de 1922.
Era ele sempre um zeloso apóstolo junto aos que viviam afastados da Fé. Pode-se afirmar que, embora leigo, tinha um coração sacerdotal. Com o intuito de aproximar da Igreja as ovelhas desgarradas, começou a levar auxílio material às famílias pobres da cidade e visitar os doentes em suas casas, gesto de caridade que nenhum rapaz de sua condição social se atreveria a realizar. Devido à total despretensão em tais empreendimentos, nem sequer os pais desconfiavam da magnanimidade de seus atos. À notícia de sua morte, uma multidão daqueles protegidos veio prestar-lhe as últimas homenagens, aclamando-o como santo e venerando-lhe o corpo como relíquia.
No discurso por ele proferido em junho de 1923, quando da bênção da bandeira do círculo Giovane ­Pollone, encontramos uma clara expressão de seu nobre ideal de fazer bem às almas, ao distinguir três tipos de apostolado a que um jovem católico está obrigado: “Antes de tudo, o do exemplo: temos o dever de regular toda a nossa vida pelas leis morais cristãs. Depois, o da caridade: devemos procurar os sofredores para confortá-los, os desgraçados, para dizer-lhes uma boa palavra, porque a Religião Católica baseia-se na caridade, que não é outra coisa senão o perfeito Amor. […] Finalmente, o apostolado de persuasão, um dos mais belos e necessários; aproximai, ó jovens, vossos companheiros de trabalho que vivem longe da Igreja e passam as horas livres não em divertimentos sadios, mas no vício. Persuadi estes infelizes a seguirem as vias de Deus, entremeadas de muitos espinhos, como também de muitas rosas”.8
Alegria que só a Fé pode dar
Outro aspecto desta alma de escol precisa ser ressaltado: sua profunda alegria. Até quando atravessava dolorosas provações – como se pode conhecer pelo pouco que contou aos amigos ou registrou em suas cartas, pois, por humildade, evitava falar de si -, mantinha a fisionomia alegre, iluminada pela cativante luz que a castidade acende na alma. Com palavras incisivas, em carta à sua irmã, indicou a causa de seu ânimo: “Tu me perguntas se estou alegre; como poderia não estar? Enquanto a Fé me der forças, estarei alegre. Um católico não pode não estar alegre; a tristeza deve ser algo proibido à alma dos católicos. Dor não significa tristeza: esta é uma doença pior do que qualquer outra, e quase sempre produzida pelo ateísmo. O fim para o qual fomos criados nos indica o caminho que, embora semeado de espinhos, não é triste: é alegre, mesmo em meio à dor”.9
Pier Giorgio semanas antes de falecer.jpg
“A cada dia compreendo melhor
a graça de ser católico; pobres
desgraçados os que não têm Fé”

Pier Giorgio, semanas antes de falecer
Poucos dias depois, ele reafirmaria tal ideia, desta vez em missiva a um amigo: “a cada dia compreendo melhor a graça de ser católico. Pobres desgraçados os que não têm Fé: viver sem Fé, sem um patrimônio a defender, sem sustentar a verdade numa luta contínua, não é viver, mas arrastar-se pela vida. Nunca devemos arrastar-nos pela vida, e sim viver, porque ainda em meio às desilusões, precisamos nos lembrar de que somos os únicos a possuir a verdade […]. Portanto, é preciso banir toda melancolia, a qual só pode existir quando se perde a Fé”.10
Estandarte vivo da juventude cristã
Em meados de 1925, Pier Giorgio foi atacado por uma fulminante poliomielite. Terríveis tormentos físicos e morais desabaram sobre ele, no breve intervalo de tempo que mediou entre os primeiros sintomas da doença e a morte. Como naqueles dias sua avó entrara em agonia e falecera, ninguém da família se deu conta da gravidade do estado de saúde do rapaz. Sozinho em seu quarto, sofria dores atrozes e constatava o tremendo avanço da moléstia que paulatinamente lhe paralisava o corpo. Com heroico espírito de sacrifício, não soltou uma única queixa, a ponto de os familiares se inteirarem de sua situação só quando já era tarde demais.
Na sexta-feira, 3 de julho, fez sua derradeira Confissão e recebeu a Sagrada Eucaristia. Na madrugada do sábado recebeu a Unção dos Enfermos e, à noite, entregou sua alma a Deus.
A notícia de sua morte causou grande comoção em Turim. Seu sepultamento, acompanhado por verdadeira multidão, foi a primeira glorificação das virtudes de quem se erguera em pouco tempo como modelo de vida para os jovens. Não em vão proclama seu epitáfio: “Com 24 anos de idade – nas vésperas de ser diplomado engenheiro, belo, robusto, alegre e estimado – viu chegar de improviso o seu último dia. E, como fazia em todas as circunstâncias, saudou-o serenamente como o mais belo da sua existência. Confessou a Fé pela pureza de vida e pelas obras de caridade. A morte o ergueu como um estandarte vivo da juventude cristã”.

 (Revista Arautos do Evangelho, Agosto/2016, n. 176, p. 32 a 35)

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