Ler os grandes intelectuais do passado é constatar a degradação do presente. Tendemos a perceber essa degradação nos hábitos e nos comportamentos que mais nos chocam, mas há um elemento fundamental que passa quase sempre despercebido: o vestuário. Plinio Corrêa de Oliveira, hoje quase esquecido, escreveu em 1952 um artigo irretocável sobre “O traje, espelho de uma época”. Num trecho do texto, Plinio extraiu da vestimenta seu elemento imaterial, pois que “de um ponto de vista meramente material”, o traje ao corpo presta somente o serviço de agasalhá-lo ou de “proteger um certo pudor que brota das profundezas do instinto”. Na certeza de que “o homem não é só matéria”, a vestimenta “deve também prestar serviço ao espírito”.
Como? “Por uma propriedade que não é apenas convencional ou imaginativa, mas que crava raízes no âmago da realidade, certas formas, certas cores, as qualidades de certos tecidos, produzem no homem determinadas impressões, que são mais ou menos as mesmas para todos os homens” . Essas impressões, salientou Plinio, produzem nos homens “estados de espírito, atitudes mentais, em certos casos todo um pendor da personalidade”. E é dessa maneira que “pode o homem, por meio do traje, exprimir até certo ponto sua personalidade moral, o que facilmente se pode notar no vestuário feminino, tão apto a espelhar o feitio mental da mulher”.
Dizia eu, porém, acerca do elemento imaterial do traje convocado por Plinio. E ele o faz ao certificar que “quando uma época se preocupa em elevar o homem, é sedenta de dignidade, de grandeza, de seriedade, dispõe o vestuário – comum ou profissional – de maneira a acentuar em cada pessoa a impressão desses valores”. E sim, “será ou tenderá a ser nobre, digno, varonil, o traje de todo homem, desde o soberano até o último plebeu”, como “se nota nos trajes antigos”. O que nos diz a nossa época se analisarmos como nós, brasileiros, nos vestimos?
O que vou dizer agora pode soar um tanto excêntrico e, para alguns, mesmo ofensivo: o brasileiro não se veste, limita-se a cobrir o corpo com as roupas que tiver. Assim revela sua falta de modos, seu despudor estético e uma incompreensão absoluta sobre aquilo que transmite quando usa tênis em celebrações, mesmo em aniversários de infantes ou de imberbes. Inexiste no brasileiro médio, de qualquer classe social, um sentido estético. A roupa é a evidência mais pública dessa ausência de acuidade. Não há nem sentido estético nem a compreensão de que as vestes transmitem dignidade, grandeza, valores, enfim.
A roupa que vestimos mostra o respeito – ou a falta de – que temos por nós mesmos e pelos outros. É um símbolo de certas virtudes materializado na maneira como nos apresentamos em privado e publicamente. Um homem mal vestido, desleixado, que considera o vestuário um supérfluo, que pretere a sua própria dignidade em nome do conforto, pode ser letrado e polido, mas jamais será um homem civilizado, um cavalheiro e, para usar uma expressão esquecida, um gentil-homem.
Uma roupa é apenas uma roupa nesses tempos hodiernos e ordinários. A roupa do lazer serve para visitas sociais e até missa. Os bárbaros ignoram, por exemplo, que ir de bermuda à igreja é tão herético quanto dizer que Leonardo Boff é católico. Vivemos numa época em que o conforto do jeans, camiseta e tênis sobrepõe-se a qualquer preocupação com o ambiente frequentado.
O sentido de adequação dos trajes ao local é raridade. Tornou-se comum indivíduos irem a eventos formais como se estivessem indo à praia ou ao bar. Certa vez, num casamento, um cidadão de camisa polo estendeu a mão para mim; achei que fosse um oficial de Justiça a cumprir o dileto dever de entregar-me alguma intimação judicial por escritos já esquecidos.
“Roupa despojada”, ouço muito esse palavrão desde a juventude. Época em que, sabe-se lá por qual intervenção diabólica, o Rio de Janeiro começou a exportar pedaços de pano desenhados e coloridos como o suprassumo da moda descolada, moda jovem et caterva. Se até os anos 1980 havia na elite social um refinamento que saltava aos olhos, e os homens vestiam-se como homens, hoje é difícil distinguir pelo vestuário certos avôs de 50 anos de seus netos de 15.
Uma roupa não tem a função de exibir a situação econômica de quem a veste. Quem o faz corrompe a simbologia virtuosa que um traje evoca. E será tão menos virtuoso quem gasta fortunas comprando roupas de grife como atestado público de sua conta bancária. Não será menos responsável por seu infortúnio aquele que investe alto num costume de marca famosa e permite que o traje apresente-se como inimigo do próprio corpo.
É cansativo dizer o óbvio, mas faz parte desta época uma certa iliteracia combinada com preguiça ou dislexia. Quero dizer que o vestuário não transforma o pecador em virtuoso, o idiota em sábio. Não é raro que os sujeitos mais torpes tenham cometido as mais graves infâmias vestidos de forma impecável. Trato aqui neste artigo, contudo, de homens dotados de virtudes que as escondem sob os farrapos que ostentam. Muitos deles ignoram esse elemento imaterial que os trajes carregam e exibem. Posto que carecemos de uma elite natural (não econômica, não política) que mostre a responsabilidade e os deveres que ao homem se aplica, tornou-se comum pais que se vestem como os próprios filhos porque estacionaram no processo de maturidade.
Pretendo padronizar o vestuário masculino? Deus me livre e guarde. Defendo o contrário; que a moda juvenil para homens adultos não seja o padrão único a ser emulado e vestido. Até para que eu possa subjugar as gafes voluntárias que costumo cometer com muito gosto e ardor em eventos sociais e familiares.
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