Ao amor de Deus, ao espírito de Fé e à Esperança unia-se, em meu Pai, uma extrema e corajosa caridade para com o próximo. Era sua nota dominante. Se, durante a noite, o sinal de alarme anunciava algum incêndio, levantava-se logo, e ia para onde houvesse maior perigo. Certa vez, contando isso às minhas companheiras, no internato da Abadia, uma delas exclamou: "Em casa dá-se justo o contrário, Papai se esconde sob as cobertas!" Fiquei bastante admirada! Essa intrepidez bem conhecida de Papai, deixava-nos inquietas quando não o víamos chegar à hora certa. Temíamos sempre que tivesse querido separar contendas, recebendo assim algum ferimento, ou ainda que se tivesse lançado ao socorro de alguma pessoa afogada. Era bom nadador e não teria hesitado em expor sua vida para salvar a de outrem. Em sua juventude, tentara vários salvamentos, um dos quais foi particularmente dramático. Quase perdeu a vida, pois seu companheiro apertava-lhe desesperadamente o pescoço, paralisando seus movimentos. Sempre pensei que seu gosto pela aventura, indo socorrer os viajantes perdidos nas geleiras não era alheio a seu atrativo pelo Mosteiro do grande São Bernardo, retirado nas alturas, longe do tumulto da cidade. Considerando as organizações atuais para adolescentes, penso, também que Papai teria gostado de ser Escoteiro se houvesse em seu tempo, ele que se alegrava, outrora, de ser filho de um oficial do exército!
Acampar à aventura ser-lhe-ia uma felicidade! Possuía, com efeito, uma invencível coragem, decisão, resistência ao sofrimento e energia: era um verdadeiro filho de oficial. É muito significativa esta carta de minha Mãe, relatando a ocupação de Alençon pelos Prussianos, em Novembro de 1870 : "Enviaram exploradores à floresta. Meu marido foi sábado de manhã e deveria passar a noite; todavia, não havendo mais perigo, retiraram o corpo de guarda, de sorte que ele voltou cerca de meia-noite. "
"É possível que os homens de quarenta a cinqüenta anos ainda partam; é quase certo. Meu marido não se perturba, absolutamente. Jamais, pediria dispensa e diz, frequentemente, que se fosse livre, teria logo se alistado como voluntário."
"É possível que os homens de quarenta a cinqüenta anos ainda partam; é quase certo. Meu marido não se perturba, absolutamente. Jamais, pediria dispensa e diz, frequentemente, que se fosse livre, teria logo se alistado como voluntário."
Sua valentia era notada pelos domésticos. Uma empregada dos Buissonnets relembra-a, escrevendo ao Carmelo: "O Sr. Martin era, sobretudo, um santo e tão corajoso! Não tinha medo de nada ... "
A verdade é que, como acabo de dizer, ele acorria, logo, a qualquer lugar onde havia perigo. Certa vez, em Alençon, indo fazer a adoração noturna em Notre-Dame, encontrou o dormitório dos homens em chamas. O incêndio era devido ao fogo da lareira que fora muito atiçado. Foi uma ocasião de exercer seu engenhoso devotamento, lançando os colchões pelas janelas e salvando tudo que pôde. As cartas de minha Mãe falam disso. Certa manhã o fogo devastava o interior de um casebre defronte aos Buissonnets, ele foi logo ao socorro da velha Irlandesa que ficara sozinha em casa e conseguiu dominar o incêndio. Em casos semelhantes não queria ajudantes e impedia que se gritasse: "Fogo!" com receio de pilhagens. A pobre mulher levantava os braços ao céu e pedia em sua língua estrangeira todas as bençãos para seu libertador. Fui testemunha do fato, quanto ao seguinte, foi contado por meu Pai.
Sua presença de espírito é ainda notória neste acontecimento: Indo à pesca, perto de Lisieux, viu-se às voltas com um touro furioso que despedaçava sua caixa de instrumentos de trabalho, colocada à pouca distância. Apanhar seus anzóis e fugir seria feito num instante. Mas o animal estava perto demais e sem uma manobra tão ousada quão pronta tê-lo-ia infalivelmente derrubado. Voltando-se para o touro, ameaçava-o, sem cessar, com seu feixe de anzóis. Isso fazia-o recuar. Aproveitando o terreno ganho, Papai ia correndo para frente, renovando sua tática até chegar à cerca da pastagem. Terminou sua narração com estas palavras : "Agradecei a Nosso Senhor, minhas filhas, sem sua proteção, desta vez seria fatal!" Isso mostra o perigo extremo em que se achou. Nesta ocorrência, meu Pai salvara, por seu sangue frio, a própria vida, como teria feito para salvar a de outrem, em semelhante situação.
(O Pai de Santa Teresa do Menino Jesus)
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