quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Educação Liberal


Olavo de Carvalho

"Agora, o tema de hoje, que é a educação liberal, é mais abrangente do que a proposta do meu curso; o curso é uma das modalidades, um dos capítulos do que chamaríamos de educação liberal. Liberal não se confunde com o liberalismo político, a ideologia de Adam Smith, Herbert Spencer e outros, nem com o sentido da palavra liberal nos Estados Unidos que quer dizer esquerdista, mas tem a ver com a noção, hoje em dia puramente nominal, de profissões liberais. Profissões liberais, como o próprio nome diz, se opõem às profissões servis, que são exercidas em troca de uma remuneração. Profissões liberais são exercidas num ato de liberalidade do indivíduo; ou seja, o profissional liberal está de algum modo obrigado a exercer a sua tarefa somente por um mandamento interno, somente por um dever interno, e ele tem que exercer aquilo com ou sem remuneração, ou até mesmo pagando para exercê-la. Esse é o sentido originário. Por exemplo, o médico na ética da idade média não poderia jamais recusar um paciente que não tivesse dinheiro para pagá-lo; o advogado a mesma coisa. E, por isso mesmo, quando havia uma remuneração, esta se chamava honorário. Honorário é algo que damos ao indivíduo não pela tarefa que ele desempenhou, mas em reconhecimento da honra de sua posição na sociedade ou do mérito de seu saber. Tanto faz dar cinqüenta centavos ou cinqüenta mil, porque o que vale é a intenção.

Hoje em dia, não é mais assim. Quando consultamos um advogado a primeira coisa que ele faz é puxar uma tabela de honorários. A expressão tabela de honorários é uma contradição de termos, pois se são honorários, não há tabela. Tabelas são de salários ou de preços, tabela de honorários não é possível.

Na idade média, a formação para as profissões liberais começava com a absorção do que se chamava as artes liberais. Eram um conjunto de disciplinas, das quais três tratavam essencialmente da linguagem e do pensamento e quatro tratavam dos números, entendidos num sentido muito mais amplo do que hoje estamos acostumados a designar por este nome, e das proporções. O número seria o sentido geral da forma e da proporção. As quatro disciplinas que lidavam com o número eram a aritmética, a geometria, a música e a astronomia ou astrologia. A astrologia veio a se dividir em duas áreas: a astrologia esférica, que era o estudo da esfera celeste, e a astrologia judiciária, que era o que hoje chamamos de astrologia - uma especulação, seja científica ou outra coisa, sobre as coincidências temporais entre o que se passa no movimento dos astros e os acontecimentos terrestres. Tudo isso era considerado parte das matemáticas, ou seja, a matemática era, de modo geral, a ciência da medida e da proporção. As outras três disciplinas eram a gramática, a lógica ou dialética, e a retórica.

Esta formação básica, que geralmente começava bem mais tarde do que hoje, aos quatorze anos, visava a transmitir ao indivíduo, por um lado, o senso das proporções, o senso da forma do mundo e, por outro lado, os meios de compreensão, expressão e participação na cultura humana."

Nenhum comentário:

Postar um comentário