RICHARD A. SHWEDER
DO "THE NYT BOOK REVIEW"
DO "THE NYT BOOK REVIEW"
O dedo acusador das feministas tem sido apontado para muitas partes diferentes da anatomia masculina, mas os objetos de escárnio preferidos são o cérebro robótico do homem, seu coração de granito e aquela coisa entre suas pernas. Os homens são defeituosos: brutos, competitivos, exploradores, insensíveis, desligados de relações sociais significativas, inacessíveis no que tange a sentimentos e distraídos quanto a coisas de que não querem ouvir falar.
Recentemente, alguns homens distraídos e insensíveis começaram a perceber que as feministas não gostam deles. Uma literatura sobre a crise de identidade masculina lançou-se na cena pública, apresentando títulos como The End of Manhood (O Fim da Virilidade), Myths of Masculinity (Mitos da Masculinidade), Not Guilty (Sem Culpa) e Why Men Hate Women (Por que os Homens Odeiam as Mulheres).
Acabo de ler uma série de livros da literatura da crise de identidade masculina. Esse gênero surgiu no final dos anos 80, resposta bastante demorada para 20 anos de crítica feminista. Ganhou alguma notoriedade em 1990, com a publicação de Iron John: A Book About Men (João de Ferro: Um Livro Sobre Homens), o antídoto de Robert Bly para a perda da alma masculina.
Ao contrário de grande parte da literatura feminista, que é unificada por seu senso de ultraje moral pela histórica subordinação e exploração das mulheres pelos homens, a literatura da crise dos homens unifica-se por um senso de ansiedade ontológica: num mundo pós-moderno carente de fronteiras e distinções bem definidas, tornou-se difícil saber o que significa ser um homem e mais difícil ainda sentir-se bem por ser um.
Há autores que acatam uma ou outra versão da crítica feminista. Os homens são incompletos. Vamos entrar em contato com nossos sentimentos e nos envolver em relacionamentos profundos.
Tendo frequentado a escola na onda de denúncias feministas contra o patriarcado, escritores como William G. Doty, professor de humanidades na universidade do Alabama —autor de Myths of Masculinity— e a dupla William Betcher e William Pollack, respectivamente psiquiatra e psicólogo do McLean Hospital e da Escola de Medicina de Harvard, co-autores de In a Time of Fallen Heroes (Numa Época de Heróis Caídos), nos oferecem visões cambiantes sobre as maneiras —conforme coloca o sr. Doty— de mudar para melhor as formas da masculinidade.
The End of Manhood de fato recomenda que demos um fim à virilidade. Seu autor, John Stoltenberg, escritor de Nova York e co-fundador da Homens Contra a Pornografia, sustenta que o eu essencial, o autêntico eu, o eu realmente real, não tem órgãos genitais. A visão alternativa, sustentada no livro Boys Will Be Men (Meninos Serão Homens) por Richard Hawley, diretor da Escola Universitária de Cleveland, é a de que o gênero marca profundamente a alma. É por isso, pode-se suspeitar, que até entre os deuses há machos e fêmeas.
Outros escritores bufam e assumem postura desafiadora diante da perigosa horda feminista. Um deles é David Thomas, ex-editor da revista Punch, na Inglaterra, em seu livro Not Guilty. Um outro é Warren Farrell, ex-conselheiro da Organização Nacional de Mulheres, em The Myth of Male Power (O Mito do Poder Masculino). Eles defendem a bandeira da masculinidade, argumentando que é a mulher que se aproveita da sociedade e o homem que devia estar reclamando.
Muitos autores da literatura da crise masculina parecem convencidos de que a sabedoria dos gregos antigos, dos guerreiros Masais do leste da África e de outros povos de sensibilidade pré-moderna superam a nossa —nós, civilização moderna— no que se refere aos meios e significados de se tornar um verdadeiro homem.
Vários outros acham que um salto evolutivo está prestes a acontecer nas relações de gênero, e que um novo macho está prestes a nascer ou, mais precisamente, a ser inventado. A maioria deles está feliz com isso. Kathleen Gerson, professora de sociologia na Universidade de Nova York, realizou entrevistas sobre a tensão entre o trabalho e a família com homens de classe média da cidade de Nova York, a maioria deles na faixa dos 30.
A julgar por seu erudito tratado sociológico No Man's Land (Terra de Ninguém), a grande vitória das mulheres americanas é que agora elas têm menos tempo de lazer. Para a sra. Gerson, o ideal de novo homem é o macho envolvido, que compartilha as responsabilidades domésticas com sua mulher trabalhadora.
O homem que a sra. Gerson gostaria de delinear estaria comprometido com a equidade no segundo turno, no qual as mulheres trabalham quando chegam em casa. Ela não é a única autora que espera que o novo homem venha a ser um Mensch (ser humano).
Suas entrevistas, entretanto, documentam a existência de um outro tipo de novo macho, o macho autônomo. O Machus Autonomus parece ter concluído que é por demais oneroso, e pura perda de tempo, oprimir, proteger ou até mesmo simplesmente cooperar com o outro sexo. Eles preferem muito mais viver sozinhos e evitar o enredamento com mulheres.
Sou levado a imaginar um outro esboço para o novo macho, que pode ser descrito como o macho sensato. O macho sensato, do mesmo modo que a fêmea sensata, aceita a crítica, adiantada por algumas legítimas scholars feministas, de que homens e mulheres têm cérebros diferentes.
Colocado mais cuidadosamente, o macho sensato acredita que o que é sensato para as mulheres não é o mesmo que é sensato para os homens. O macho sensato poderia então concluir, por exemplo, que é insensato, e certamente injusto, ser manobrado em ambiente de trabalho hostil, onde ele vai ser julgado por mulheres sensatas.
Em seu formato mais extremo, ele prefere trabalhar com homens. John Stoltenberg, que acha que a masculinidade é repugnante e que devemos nos livrar dela, pode muito bem considerar um completo nonsense essa idéia feminista de padrões diferenciados de racionalidade para homens e mulheres.
Ele é um autodeclarado pró-feminista radical, e seu livro The End of Manhood é uma espécie de arrogante, bem-intencionado e utópico manual de auto-ajuda cheio de diagramas, slogans, soluções pessoais e poções conceituais para dissolver o João de Ferro.
Seu ideal liberal para o novo homem é o de um homem de consciência (ou, mais precisamente, uma pessoa de consciência), que, por acaso, é portador de um pênis.
O novo macho do sr. Stoltenberg é uma espécie de versão secularizada do ego transcendental de Kant, um imperativo categórico corporificado, um neutralizado princípio de justiça e igualdade. Ele reconhece que, na escolha entre a auto-realização autêntica e a realização da virilidade de alguém, a virilidade deve cair fora.
Para muitos autores da literatura da crise, o novo macho não é um renunciador da masculinidade, mas antes seu defensor. Ele é capaz de distinguir entre a força e a necessidade de explorar. É capaz de discernir que as dolorosas provações e os severos testes de masculinidade não são formas de tortura ou abuso.
Em Men and the Water of Life (Os Homens e a Água da Vida), Michael Meade escreve de modo brilhante sobre iniciação, provação e a importância de cicatrizes e feridas. A iniciação torna os homens misteriosos, argumenta ele; em cada ritual a morte é uma abertura, uma possibilidade de renascimento. Infelizmente não é tão claro que depois da morte ritual o novo macho vá renascer como Mensch.
É realmente possível inventar um novo macho? Para responder essa pergunta, consultei meu muito útil sumário de Atividades de Subsistência e Divisão de Trabalho por Sexo em 224 Sociedades, extraído do livro de Roy D'Andrade. Verifiquei que em quase todas as sociedades onde essas atividades existem é o homem que caça, pastoreia, ara, fabrica armas e persegue mamíferos marinhos; enquanto a mulher é quem colhe frutos, raízes, grãos e sementes, faz a comida, fabrica roupas e cerâmica.
Deve-se concluir, a partir de tais evidências, que alguns aspectos das relações de gênero são conservadores e naturalmente resistentes a mudança? Se dissermos que sim, seremos tachados de essencialistas.
O essencialismo é a idéia de que os homens são fortes, violentos e talhados para as hostilidades do campo de batalha ou da prisão. De que as mulheres são nutridoras, compassivas e talhadas para cuidar de crianças e guardar o lar. De que a natureza (anatomia, neurologia, genética, hormônios, temperamento, anima) é destino.
Adam Jukes —em "Why Men Hate Women"— acha que é um fato universal da vida que os homens sejam controladores e destrutivos, e que vivam num estado de perpétua inimizade com as mulheres. O sr. Jukes, psicoterapeuta do Centro de Homens de Londres chega a sugerir que a idéia de se criar um novo homem é uma fantasia realizadora de um desejo, e que não vai dar certo.
A antítese ao essencialismo pode ser chamada de acidentalismo. Os acidentalistas acreditam que a única diferença natural entre homens e mulheres é o sexo (o peniano versus o vulvar, como diria o sr. Stoltenberg). Todo o resto é gênero e, quando se trata de gênero, tudo fica artificial.
Segundo os acidentalistas, a tipificação sexual das tarefas, dos gostos e talentos não é natural, manifesta ou dada por força divina. As definições do que significa ser um homem (ou uma mulher) mudam. Para o acidentalista realmente supercomprometido, gênero é coisa superficial. Esperemos que em algum lugar a meio caminho entre o essencialismo e o acidentalismo haja algum senso comum.
As muitas fronteiras e claras ressonâncias de um mundo divido em gêneros, construído em torno da oposição entre trabalho e família —produção/reprodução, trabalho assalariado/não-assalariado, ar livre/ambiente fechado, competitivo/cooperativo, duro/suave— foram borradas, e os homens foram avisados de que chegou o momento de escolherem ser outra pessoa.
Nesta altura da cerimônia de iniciação, espera-se que alguns respeitáveis anciães da tribo apareçam para revelar alguns profundos segredos sobre o que realmente significa ser um homem. Infelizmente, na nossa sociedade pós-moderna, nós não temos anciães tribais respeitáveis, nem segredos profundos —apenas uma literatura da crise masculina, escrita em grande parte por homens na faixa dos 40, que estão tateando no escuro em busca de sua dignidade.
Tradução de MARILENE FELINTO
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