sábado, 23 de abril de 2016

A respeito da inquietação nos negócios - São Francisco de Sales

Grande diferença há entre os cuidados dos negócios e a inquietação, entre a diligência e a ansiedade. Os anjos procuram a nossa salvação com o maior cuidado que podem, porque isto é segundo a sua caridade e não é incompatível com a sua tranquilidade e paz celestial; mas, como a ansiedade e a inquietação são inteiramente contrárias à sua bem-aventurança, nunca as têm por nossa salvação, por maior que seja seu zelo.

Dedica-te, Filotéia, aos negócios que estão ao teu encargo, pois Deus, que os confiou a ti, quer que cuides neles com a diligência necessária; mas, se é possível, nunca te entregues ao ardor excessivo e ansiedade; toda inquietação perturba a razão e nos impede de fazer bem aquilo mesmo por que nos inquietamos.

Repreendendo Nosso Senhor a Santa Marta, lhe disse: “Marta, Marta, tu andas muito inquieta e te embaraças com o cuidar de muitas coisas.” Toma sentido nestas palavras, Filotéia. Se ela tivesse tido um cuidado razoável, não se teria perturbado; mas ela muito se inquietava e perturbava e foi esta a razão por que Nosso Senhor a repreendeu. Os rios que coleiam suave e tranquilamente através dos campos levam grandes botes com ricas mercadorias, e as chuvas brandas e moderadas dão fecundidade à terra; ao passo que os rios e torrentes, que se precipitam em borbulhões, arruínam e desolam tudo, sendo inúteis ao comércio, e as chuvas tempestuosas assolam os campos e os prados.



Na verdade, obra alguma feita com precipitação saiu jamais bem feita.

Cumpre apressar-se devagar, conforme diz o antigo provérbio. E Salomão escreveu: Quem corre depressa arrisca-se a cair a cada passo; e sempre fazemos a tempo o que tínhamos que fazer, se o fizermos bem. Os zangões fazem muito barulho e são mais apressados que as abelhas, mas só fabricam a cera e não o mel; assim, quem em seus trabalhos faz muito ruído e se inquiesta demasiado pouco consegue e isso mesmo mal feito.
As moscas nos importunam por sua multidão e não por sua força; e os grandes trabalhos não nos perturbam tanto como os pequenos em grande número. Enceta, pois, os trabalhos com o espírito tranquilo, como vão vindo, e despacha-os segundo a ordem em que se apresentam; se quiseres fazer, pois, tudo ao mesmo tempo e em confusão, farás demasiados esforços, que te consumirão, e de ordinário nenhum outro efeito obterás que um abatimento completo, em que sucumbirás.
Em todos os negócios, confia unicamente na Providência divina, que só lhes pode dar bom êxito; age, no entanto, de teu lado, com uma aplicação razoável e prudência, para trabalhares sob a sua direção. Depois disso, crê-me que, se confias em Deus, o resultado será sempre favorável a ti, seja que o pareça ou não ao juízo de tua prudência.

(Filotéia, Cap. X)
Por São Francisco de Sales

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