quarta-feira, 26 de setembro de 2012

RÉGULO EM CARTAGO

(Introdução do livro O Moço de Carácter de Dom Tihamer Toth)


               Cartago ia mandar uma embaixada a Roma para pedir a paz. Um prisioneiro de guerra romano, chamado Régulo, foi encarregado de chefiá-la, mas teve de jurar, antes de partir, que, se a sua missão viesse a fracassar, ele voltaria ao cativeiro... Qual haverá sido a emoção dele, ao achar-sede novo em Roma, sua cidade dileta! Lá poderia ficar sempre, se a paz fosse obtida.
                Todavia, que fez ele?
                Com toda a sua eloquência concitou o senado a continuar a guerra, e, quando lhe pediram que ficasse em Roma, uma vez que um juramento feito por coação não podia obrigar, respondeu:
                “Quereis então a todo transe que eu falte à honra? Bem sei que as torturas e a morte me aguardam à minha volta. Mas tudo isso não é nada em comparação com vergonha oriunda de uma ação desleal, e com as feridas que a alma recebe do pecado. É verdade que ficarei  prisioneiro dos cartaginenses, mas ao menos conservarei, em toda a sua pureza, meu caráter de Romano.  Jurei voltar, e cumprirei meu dever até o fim. Confiai o resto aos desuses.”
                E voltou a Cartago, onde morreu entre horrorosos tormentos.
                Ora, e que é então o caráter cristão?
                Nem todos podem ser ricos, nem sábios, nem homens célebres. Mas há uma coisa que de todos se pode exigir: um caráter irrepreensível. Conquistar reinos terrestres é obra de homens excepcionais, e a coroa real, feita para bem poucos frontes. Mas, conquistar o reino dos tesouros espirituais e colocar na fronte a coroa dum caráter viril, eis uma tarefa sublime e sagrada, que nos deve preocupar a todos sem exceção. Todos, disse eu. Entretanto, muitos deixam de cumpri-la. Porém, tu meu filho, não desdenharás, estou certo.
                Entretanto, um caráter irrepreensível  não é sorte grande que se pode ganhar sem nenhum mérito pessoal. Não é também nome ilustre que se traz consigo ao nascer, ou que se adquire sem trabalho. Um caráter irrepreensível é resultado de uma luta muitas vezes dura, da guerra viril que a nós mesmos nos fazemos, e às nossas inclinações egoístas, e que pede muitas conquistas, abnegação e disciplina. Esse combate, cada um de nós deve trava-lo dentro de se mesmo e sair dele vitorioso.
                O resultado magnífico hás de obter nessa luta será um caráter impecável.  Hoje em dia, o sentido profundo desta expressão escapa-te ainda, talvez. Mas, no dia em que a obra principal da tua vida for desvendada ante a face de Deus, e tua alma, que tiveres formado com tanto trabalho, aparecer em toda sua incomparável grandeza, exclamarás, deslumbrado, como Haydn na representação de sua obra “A criação” : “Meu Deus fui eu mesmo que fiz isto?”
                Segundo o termo clássico de Santo Agostinho, “homines sunt voluntates” – isto é, o valor do homem é determinado pela sua vontade. Cada vez melhor se reconhece que a escola moderna, hoje, se ocupa quase exclusivamente da Inteligência dos jovens, em detrimento do seu caráter e de sua vontade, que ela descura em desenvolver. Daí, o fato tão triste de se acharem entre os adultos muito mais cérebros cultivados do que ombros de aço, muito mais saber do que caráter. Não obstante, a base e o sustentáculo moral do Estado é a pureza moral e não a ciência – o homem e não a fortuna – o caráter e não a covardia.
                Este livro tem um único fim: exortar os jovens a formarem impecável seus caráter, induzi-los a raciocinar desta sorte:  “uma responsabilidade enorme pesa sobre mim, porque séria tarefa me aguarda e devo empregar minha vida a cumpri-la. Os germes do meu futuro repousam em minha alma: cumpre que eu a aqueça, cultive e desenvolva, para que ela se torne uma flor primorosa digna de exalar seu perfume diante do trono de Deus, por toda a eternidade. E só posso consegui-lo, cumprindo meu dever em todas as circunstâncias, e e vivendo uma vida real”. 
                Quisera este livro dar aos jovens um caráter de aço, neste tempo em que o mundo vai completamente transtornado e parece como que andar de pernas para o ar; nesta época em que a maior e quiçá a única doença da humanidade (responsável por todos os erros e vícios) é o deperecimento assustador da vontade; nesses dias de desfibramento quase geral, em que se diz, complacentemente, que é sabedoria conformar-se com as circunstâncias, e vê a salvação publica na negação dos princípios da política realista e na procura dos interesses pessoais; hoje, que a sensibilidade, sempre à espreita duma ofensa, se chama dignidade própria, e a inveja pretende ser o senso da justiça; hoje, que se evita qualquer trabalho seu tanto difícil, sob pretexto de que é impossível; que cada um procura a vida fácil e seus gozos... Sim, este livro quisera formar jovens de caráter inatacável, de princípios justos e sólidos, - jovens cuja vontade não recua antes os empeços, cavaleiros devotados de todo e qualquer dever – moços rijos como o aço, retos como a verdade, luminosos como um raio e sol, limpos como o fio de água da montanha... moços puros de corpo e alma.
                Ele quisera que só houvessem estudantes de caráter inteiriço, e que não se encontrasse mais nenhum de alma vil e sentimentos mesquinhos, desses que se não interessam por nenhum problema espiritual, que só pesam em iludir ao professor, subtrair-se às lições difíceis, ir ver a nova estrela do cinema e arranjar e arranjar um convite para casa de Dona X. Mas, ai! Há tantos dessa espécie! E os jovens de caráter firme são, comparativamente, tão poucos! Pois bem! Este livro quer demonstrar-te que entretanto quem tem razão é essa minoria que trabalha e se fatiga no caminho do caráter, enquanto os outros são tão despreocupados e folgazões. – E este livro, ao mesmo tempo, quer incentivar-te a que te inscrevas entre os primeiros, pois só a vida dele é que é digna do homem. Afirmo, de efeito, com Schiller, que é a vontade que faz o homem pequeno ou grande. E concordo com o barão J. Eötvös, o grande pensar húngaro que diz:
                “O Valor real do homem não depende da sua inteligência, porém da força de sua vontade. Os grandes talentos intelectuais só servem para enfraquecer aquele a quem falta a firmeza; um grande espírito, cujo caráter não esta à mesma altura, é a mais desgraçada e não raro o mais desprezível das criaturas”.
                Na primavera, o camponês se detém junto ao seu campo e passeia o olhar cismador  ao longo dos sulcos silenciosos.
                “Que me darás este ano, minha terra?” parece ele dizer.
                Porem o campo lhe responde com outra pergunta:
                “Dize-me tu primeiro o que me darás” .
                - É assim que o moço para a entrada misteriosa da vida:
                “Que me reservas, ó vida? Que é que me espera no correr dos anos?”
                Porém a vida, como o campo, lhe recambia a pergunta:
                “Isso depende do que me deres! Receberás o que mereces por teu trabalho. Colherás o que semeares”.
                Este livro quer fazer-te conhecido o grande meio de êxito neste grande trabalho: a educação de si próprio. Porém toma cuidado, meu filho, e não te deixe iludir! Este livro pode apenas desvendar-te os inimigos dissimulados, prevenir-te contra os perigos, designar as armas, - mas não pode combater em teu lugar! Se quiseres adquirir caráter, cumpre faça tu mesmo esse trabalho espiritual, que só tu podes realizar.
                A experiência há de mostrar-te que o caminho do caráter não é caminho fácil. Faz-se mister uma vontade bem forte para combater os pequenos defeitos e nunca pecar, uma vontade que não conhece nem detença nem trégua: de sobejo a verás Mas não importa!
                Sim, não importa! Quero, quero! Hás de dizer.
                - E que queres então?
                -Quero dominar meus sentidos em meus sentimentos.
                Quero por em ordem  caos de meus pensamentos .
                Quero refletir antes de falar.
                Quero considerar as coisas antes de agir.
                Quero aproveitar as experiências antes do passado, quero pensar no futuro, quero portanto fazer o melhor emprego passível do presente.
                Quero trabalhar com gosto, sofrer sem me queixar, viver de maneira irrepreensível e, finalmente, morrer em paz, na esperança da minha felicidade eterna.
                Pode-se imaginar mais elevado programa de vida? Existirá escopo mais digno de realizar do que uma vida sem mácula?
                Oxalá possa esse livro auxiliar muitos jovens neste trabalho sublime: a formação do próprio caráter.  
                 

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