sexta-feira, 7 de julho de 2017

Separando os homens dos meninos


Vamos falar de um assunto um tanto desgastado. Tanto para as mulheres, que escreveram à exaustão sobre o tema, daquele jeitinho peculiar delas, idealizando entre suspiros e devaneios o seu homem dos sonhos; como também para os homens, que loucos para atenderem as damas e se perderem em seus braços, não se atentavam para a essência e se perdiam nos acidentes, causando a pitoresca situação em que, sem entender coisa alguma, tentavam segurar o leite da vaca com uma peneira.
É normal os homens se assustarem com o tanto de exigências cobrado pelas mulheres, que apesar de alguns exageros por parte delas, é natural que assim seja. Afinal, a parte da imaginação do casal é da mulher. Elas têm essa peculiar característica de imaginar, fantasiar, esperar e sentir, oscilando de intensidade na medida em que fica perto de chegar “aqueles dias”. Além disso, por incrível que pareça, elas têm uma certa[1] razão nessa exigência toda. Ora, se São Pedro é a pedra onde foi edificada a Igreja, e se a família é uma pequena igreja, ou melhor, uma igreja doméstica, nada mais justo que uma mulher procure construí-la numa pedra bem forte, viril e fiel. E quem seria a pedra da família? Nós, os varões.


Mas como nem tudo são flores e, principalmente, comercial de margarina, meus companheiros de time insistem em se atentar apenas para os acidentes[2] do feminino, fazendo pouco caso da substância. Em outras palavras: perdem tempo com o que não é tão importante e tapam os olhos para o necessário. Desse modo, não conseguem passar da intermediária do campo de defesa e nunca conseguem marcar o desejado gol. Ora, meus amigos, o que significa toda aquela história de “cavalheirismo”, “ter bom papo”, “ser íntegro”, “ser inteligente”, “ter personalidade”, “ter confiança” etc.? São nada mais e nada menos que conseqüencias dessa verdade substancial: que nossas queridas e amadas princesas desejam do fundo de suas entranhas serem amadas, protegidas, desejadas, cuidadas e, acima de tudo, completadas. Preenchidas por seu complemento. E mais importante que isso, gerar um fruto dessa união e elevar até a décima potência sua vocação de ser mãe.

Toda mulher sonha em conhecer uma pedra dessa como é o Charlton Heston no filme El Cid.

A essa altura do artigo eu ainda não comecei a separar os homens dos meninos e vocês devem estar pensando que eu sou apenas um enganador de títulos. Mas se ainda não separei os vertebrados dos invertebrados, já toquei na palavra-chave que vai fazer o serviço sem eu realizar muito esforço: vocação. Como católico, costumo dizer que tudo tem um propósito dado por Deus, como assim ensina a Igreja, que costumamos chamar de vocação. Qual a vocação da galinha? Cacarejar e botar ovos. Qual a vocação do sacerdote? Servir a Deus em sua Igreja e ajudar a salvar almas. Qual a vocação de toda a humanidade? Contemplar e repousar em Deus. Qual a vocação da mulher? Ser mãe e espalhar seu amor materno.
E qual a vocação do homem? Ser pai e proteger o lar? Bom, não gostaria de me ater somente a isso, mas também não gostaria de fazer um tratado de fenomenologia do homem. Todo mundo sabe como mulher gosta que os homens olhem diretamente e atentamente em seus olhos, como águias vigiando sua caça; que falem pouco e deixem o palco livre para elas brilharem, enquanto conduzem-nas para onde precisam estar e não para onde querem estar; que se vistam decentemente, mostrando bom gosto e elegância; que saibam e dominem a linha tênue que separa a ousadia e o respeito; que sejam envolventes, eloqüentes, seguros, marcantes; que façam sentirem-se meninas novamente, confortadas em seus fortes braços; que seja a certeza em meio de suas dúvidas, mesmo que elas ainda não tenham certeza de suas dúvidas; que seja o alfa e o ômega do seu relacionamento. Em suma, aquilo que todos sabem, mas como não sei se todos sabem, procurei ganhar esse terreno na batalha.


Edmond Dantès como Conde de Monte Cristo e sua amada Mercedes. Um bom homem numa carcaça endurecida com o tempo.

Aquiles e Briseis. Um romance que decidiu a guerra de Tróia não é qualquer coisa.
Mas todas essas características sedutoras e até sensuais do homem, sem sua essência, ou seja, sua coluna vertebral, não passa de uma mentira, um engodo, um fingimento, que como um castelo de areia, se desmancha na primeira turbulência de uma onda qualquer. Tal como acontece com o jovem Julien Sorel[3], desejado pelas donzelas Senhora de Rênal e Mathilde, e com toda a sua hipocrisia e esnobismo, seduzem-nas, mas sempre faltando o sustentáculo para todas as suas qualidades externas, deixando-nas superficiais e sem vitalidade. O resultado é um verdadeiro relacionamento ao estilo pós-moderno: um é o amo e o outro o escravo. Um domina e o outro é dominado. Um é o masoquista e o outro é o sádico. Um é o deus e o outro joga as oferendas ao altar. E o pior, os papéis mudam na medida em que cada um aumenta o seu desejo pelo outro, o amo virando escravo e o escravo, o amo. De modo que podemos resumir essa falsidade assim: quanto mais desejo sente pelo outro, mais escravo fica do desejado. Mais desprezo levará e mais se jogará aos pés do seu amo. O jovem Julien sentiu na pele ao tentar seduzir, dissimuladamente, a Senhora de Rênal, repelindo-o com horror. Não satisfeito com o ego ferido, se joga aos pés da dama, provocando mais desprezo ainda. O resumo da ópera é um jovem que tinha tudo para ter o amor de uma mulher, mas perde pela dissimulação, como nos relata Stendhal:

Resumindo, nada faltaria à felicidade do nosso herói, nem mesmo uma sensibilidade ardente da mulher que acabara de arrebatar, caso tivesse sabido gozá-la.

E após o ocorrido, pergunta-se desolado: “Nada daquilo que me obriguei faltou? Fiz bem meu papel? E qual papel?”.

Julien Sorel e a Senhora de Rênal. Intensidade, eloqüencia e… falsidade.

Então, cavalheiros, qual seria a resposta mais completa da vocação do homem? Bom, no alto da minha petulância sobre um tema tão profundo, me arriscaria dizer que a vocação do homem é ser viril -esto vir ; é estar em constante esforço, em constante luta e aperfeiçoamento, para sair como um guerreiro, vencer, conquistar o mundo e, por fim, poder voltar para casa, triunfante, sabendo que uma mulher e um filho os esperam. É vencer o mundo e ter o coração vencido pelo seu lar. É olhar para as enormes pastagens e mundos a conquistar e saber que deixará um legado, um pedaço seu nessa terra. E lutar por isso.
O que separa os homens dos meninos é essa consciência de vocação. Os homens sabem de sua missão como varões; os meninos preferem a superficialidade, a facilidade e a falsidade travestida do que chamam hoje de “paixão”. Os homens preferem o desafio de sua missão, pois sabem que no fim dela, há a glória. Depois disso, nada é mentiroso nem perfeito, mas natural. Tudo vem como conseqüencia: a honra, a força, a coragem, o romantismo, a sensibilidade masculina, a prudência, a lealdade etc. A essência do homem é o esto vir, sua coluna vertebral. Ela que vai dar suporte para que brote o homem em você. Se a mulher vocacionada tem a imaginação por seu varonil nas alturas, o homem vocacionado tem o entusiasmo por sua donzela igualmente nas alturas, fazendo assim uma completude, transformando naturalmente esses sentimentos em um encantamento e depois em um enamoramento dos dois, tão bem representado na literatura por J.R.R. Tolkien com as histórias dos casais mais perfeitos da Terra-média: Aragorn com a sua Arwen e Beren com a sua Lúthien. E numa historinha como essa, constatamos que a casinha encontra a sua pedra. E ficamos felizes.



Notas:

[1] “Certa” razão porque, como vivemos numa época moderna e com o advento do feminismo, a noção natural do interesse feminino pelos homens foi, em muitas mulheres, eclipsado por essa ideologia. O que acaba dificultando muito a vida de ambos, já que muitos desejos das mulheres atuais estão sendo pervertidos pelo feminismo.
[2]No bom e velho aristotelismo, acidente seria aquilo que não é necessário em um ser, que não afeta em sua substância, e que essa, por sua vez, é a essência ou substrato da matéria. Daí vem aquela expressão “aquilo foi só um acidente”.
[3]Personagem principal do magnum opus de Stendhal, Le Rouge et le Noir. Sorel é um jovem plebeu ambicioso e aspirante a ser um novo Napoleão, que para subir à nobreza de uma França pós-napoleônica, mente e engana muitas pessoas para chegar ao seu objetivo.

Por Ítalo Maia


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